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Judiciário receberia carga com fim do Carf - DCI - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

A possibilidade de um decreto extinguir o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é vista com cautela por especialistas. Isso porque o fim do órgão técnico pode piorar a situação do contribuinte e sobrecarregar o Judiciário.

Em meio a uma crescente contestação dos julgamentos realizados pelo tribunal do órgão, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, aprovou o Projeto de Decreto Legislativo 55/2015, de autoria de Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR). A proposta pede o fim do Carf sob a justificativa de que "o Conselho de Contribuintes tem servido apenas para justificar uma aparente defesa do devido processo legal, quando na verdade se trata de um bem articulado esquema de corrupção."

Segundo o sócio do Souto, Correa, Cesa, Lummertz & Amaral Advogados, Henry Lummertz, se a proposta seguir para votação em Plenário, a alternativa seria mandar todos os casos de discussão de autuações para o Judiciário. Na visão dele, apesar de todos os problemas enfrentados pelo Carf, essa solução pode piorar a situação atual. "O Carf tem uma série de problemas, mas também possui uma maior especialização do que a Justiça comum", observa.

Ele lembra que no órgão, há conselheiros que só julgam ações relacionadas a tributos diretos ou só atuam com impostos de comércio exterior. "As pessoas conhecem profundamente e se especializam na matéria que estão julgando", resume.

No entanto, para o advogado, a descoberta na Operação Zelotes de que alguns casos julgados a favor do contribuinte foram manipulados por corrupção acabou gerando um preconceito de que tudo o que beneficia as empresas em detrimento do fisco é ilícito.

Fora ameaças de políticos, desde 2015, o Carf tem sofrido severas críticas, principalmente de advogados da iniciativa privada que defendem empresas de autuações fiscais. As reclamações são de que a balança do tribunal administrativo passou a pender mais para o lado da Receita Federal após a descoberta do escândalo.

Uma parte dessas reclamações tem origem em uma medida adotada após a Zelotes, que se refere à origem dos membros dos tribunais. Agora, os conselheiros provenientes da iniciativa privada, que antes não recebiam salário e podiam ser advogados de grandes escritórios, recebem salário e não podem exercer a advocacia. Lummertz considerou essa medida um oportunismo que piorou a qualidade dos conselheiros e aprofundou esse desbalanceamento entre os julgamentos pró-fisco e os pró-contribuintes. "Hoje, as pessoas que estão indo para o Carf não são advogados ou são advogados, mas não contam com a prática, só têm o conhecimento de teorias. Na Fazenda, por outro lado, continuam sendo pessoas altamente qualificadas", acrescenta.

Ruim com ele...

Apesar de admitir essa predileção do órgão pela Receita, justificada pelo fato de ser uma instituição que também funciona sob o guarda-chuva do Ministério da Fazenda, o sócio da área tributária do Mattos Filho, João Marcos Colussi, argumenta que esse movimento foi regra no Brasil inteiro e tem de ser percebido por uma perspectiva político-econômica.

"Reiteradamente eu digo: não é o Carf que mudou a maneira de julgar. O Brasil mudou e nos deparamos com um déficit [nas contas públicas] de cerca R$ 170 bilhões por ano", comenta ele.

Colussi acredita que a excessiva utilização do voto de qualidade - quando uma votação termina em empate e o peso maior do voto do presidente garante o resultado - dando ganho de causa ao fisco, é consequência desse momento da economia brasileira.

"Quando o Carf reabriu em julho de 2015 e o ex-ministro [da Fazenda, Joaquim] Levy, precisando promover um ajuste fiscal, abriu a sessão dizendo: 'ando caçando esses R$ 100 bilhões' a partir desse dia, passou-se a decidir com uma nova diretriz", destaca o sócio do Mattos Filho, lembrando da época em que a estimativa era de que mais de R$ 100 bilhões em autuações fiscais tramitavam no órgão administrativo.

Diante do cenário, Colussi afirma ser um retrocesso inquestionável acabar com o Carf. "Sem o conselho, teremos um quadro de autoritarismo fiscal", conclui o especialista.

Ricardo Bomfim