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Especialistas criticam excesso de medidas cautelares no Código de Processo Penal - AGÊNCIA CÂMARA

Audiência pública da comissão especial que analisa o projeto de reforma do Código de Processo Penal (PL 8045/10) debateu as medidas cautelares que podem ser aplicadas aos réus presos antes do julgamento final. Para especialistas ouvidos pela comissão, o uso excessivo de algumas dessas medidas está por trás da superlotação carcerária e do alto grau de reincidência criminal no País.

O projeto analisado pela comissão já foi aprovado no Senado, a partir de projeto elaborado por uma comissão de juristas, e altera o Código de Processo Penal (CPP, Decreto-lei 3.689/41) - conjunto de regras e princípios destinados à organização e aplicação do Direito Penal.

Na Câmara, junto com o projeto, tramitam outras 199 propostas que alteram o código.

16 tipos de medidas
A proposta do Senado prevê 16 tipos de medidas cautelares:
prisão provisória;
fiança;
recolhimento domiciliar;
monitoramento eletrônico;
suspensão do exercício da profissão, atividade econômica ou função pública;
suspensão das atividades de pessoa jurídica;
proibição de frequentar determinados lugares;
suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave;
afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima;
proibição de ausentar-se da comarca ou do País;
comparecimento periódico em juízo;
proibição de se aproximar ou manter contato com pessoas determinada;
suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para porte;
suspensão do poder familiar;
bloqueio de endereço eletrônico na internet; e
liberdade provisória.

Prisão provisória

A medida que tem provocado mais discussão nas audiências públicas é a prisão provisória, aquela que ocorre antes do julgamento final do acusado. O projeto prevê três modalidades: em flagrante, preventiva e temporária.

Especialistas ouvidos pela comissão apontam que a proposta é vaga ao definir os motivos para a decretação da prisão provisória, o que contribui para a superlotação do sistema carcerário brasileiro.

A prisão preventiva, por exemplo, pode durar até quatro anos e ser decretada em cinco casos: como garantia da ordem púbica ou da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal; para assegurar a aplicação da lei penal; em decorrência da extrema gravidade do crime; e em decorrência da prática reiterada do mesmo crime pelo autor.

De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2014 do Ministério da Justiça, os presos provisórios (flagrantes, temporários e preventivos) correspondem a 40,1% (250 mil presos) da população carcerária brasileira, O percentual é igual ao do deficit de vagas nas prisões.

Cultura encarceradora

Uma das participantes do debate, a professora Flaviane de Magalhães Barros, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), sugeriu retirar a hipótese de prisão preventiva justificada por "garantia da ordem púbica".

"Existe uma cultura encarceradora do Brasil. Nós estamos usando as prisões em situações que podem ser resolvidas de outra forma", disse.

Ela apresentou resultado de pesquisa feita com base em audiências de custódia (quando a pessoa presa em flagrante é levada à presença do juiz), em que, de 145 acusados de furto, 80 acabaram presos preventivamente.

"Mas, pela lei, prisão preventiva só pode ser decretada caso o crime tenha pena maior que 4 anos, o que não é o caso de furtos", explicou.


Além de retirar a possibilidade de prisão como garantia da ordem pública, ela sugeriu que o projeto acabe com prisão provisória para crimes não violentos e garanta sua aplicação apenas em caso de risco de fuga e prática reiterada de determinados crimes, como os relacionados a violência sexual e crime organizado.

Tráfico de drogas
Nestor Santiago, professor da Universidade Federal do Ceará, foi na mesma linha. Segundo ele, o índice de presos provisórios no Ceará é ainda maior que a média brasileira: 60%.

Ele atribui parte do problema às prisões decorrentes de tráfico de drogas e sugere uma definição melhor do que é tráfico. "A maioria dos detentos foi presa com menos de 10 gramas de maconha", disse.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), um dos sub-relatores da comissão, também defendeu a revisão da legislação relacionada ao tráfico de drogas. "A violência não é cometida por pessoas sob o efeito de drogas, mas por pessoas ligadas ao tráfico de drogas. A imprecisão do que é tráfico e do que é uso causou uma explosão do encarceramento no Brasil. Temos que revisitar esta lei", disse.

Nestor Santiago defendeu que crimes sem gravidade ou violência não acarretem prisões preventivas e possam ser resolvidos por meio de acordo e até mesmo a devolução de objetos furtados.

Ele também defendeu que o delegado de polícia tenha o poder de aplicar as outras modalidades de medidas cautelares, hoje restritas aos juízes, e uma maior fiscalização dos prazos do processo.

"Precisamos também mudar o paradigma da obrigatoriedade de o Ministério Público oferecer denúncia em todos os casos", disse.

Persecução criminal
Já o delegado da Polícia Federal Antônio Miguel Pereira Júnior, que também é professor de Direito Penal e Processo Penal, discordou da avaliação de que o principal problema do sistema penal é a excessiva aplicação de medidas cautelares.

"A medida cautelar tem como objetivo assegurar a persecução penal", disse. Segundo ele, o grande número de prisões preventivas de acusados de furto apontadas pela professora Flaviane de Magalhães Barros em sua pesquisa podem se referir a furtos qualificados - que tem pena de 8 anos de prisão e não de 4.

Antônio Miguel Pereira Júnior sugeriu que os delegados tenham o poder de aplicar as demais medidas cautelares previstas no projeto. "O delegado só pode aplicar, hoje, a prisão e a fiança. As demais ficam a cargo do juiz e, no mundo real, nem todos os lugares tem juízes suficientes para ouvir os presos em flagrante no prazo determinado pela lei", disse.

O deputado Delegado Éder Mauro (PSD-PA), vice-presidente da comissão, defendeu uma alternativa: o estabelecimento de penas alternativas ou compensatórias para crimes de menor poder ofensivo no Código Penal. "Até quem atrasar pensão deveria ficar em liberdade", disse.

Reportagem - Antonio Vital
Edição - Newton Araújo