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Redes sociais, questões de gênero e embates políticos na pauta dos colegiados de direito privado - STJ

Dos mais de 400 mil julgamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2017, muitos tiveram grande repercussão social ou definiram teses importantes para o cotidiano do mundo jurídico. Nos colegiados especializados em direito privado, também houve processo que causasse rebuliço por conta do envolvimento de proeminentes figuras do cenário político atual.

Em agosto, a Terceira Turma manteve a condenação do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), obrigado a indenizar a deputada Maria do Rosário (PT-RS) por ofensas à sua dignidade. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, a frase "não merece ser estuprada", dita pelo deputado, é uma expressão "vil" que menospreza a dignidade de qualquer mulher.

Segundo a relatora, "é óbvio" que, para o desempenho de suas funções, os parlamentares não precisam se manifestar sobre qual mulher "mereceria" ou não ser estuprada, nem emitir qualquer juízo de valor sobre atributos femininos, sejam eles positivos ou negativos. A ministra destacou que a imunidade parlamentar não é absoluta, e é inaplicável a crimes contra a honra cometidos em situação que não guarda relação com o exercício do mandato.

Internet

O Facebook não pode ser obrigado a monitorar previamente os conteúdos postados pelos usuários de sua rede, o que torna inviável a imposição de multa diária com tal objetivo. O entendimento foi firmado pela Terceira Turma do STJ, em junho.

O colegiado entendeu que o Facebook não responde objetivamente pela inserção de informações ilegais feita por terceiros em seu site. Entretanto, assim que os responsáveis pelo provedor da rede social tiverem conhecimento da existência de dados ilegais, devem "removê-los imediatamente, sob pena de responderem pelos danos respectivos", devendo ainda "manter um sistema minimamente eficaz de identificação de seus usuários", destacou a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi.

Ainda na temática das redes sociais, a Terceira Turma afirmou em agosto que a falta de informações precisas sobre o endereço eletrônico (URL) onde estão postadas ofensas na internet inviabiliza o cumprimento de decisão judicial para a retirada do conteúdo, ainda que fornecido o nome do ofensor ou mesmo o seu perfil.

Para a ministra Nancy Andrighi, o Judiciário não pode repassar ao provedor a tarefa de analisar e filtrar as mensagens, sendo essencial a indicação do endereço específico.

"A necessidade de indicação do localizador URL não é apenas uma garantia aos provedores de aplicação, como forma de reduzir eventuais questões relacionadas à liberdade de expressão, mas também é um critério seguro para verificar o cumprimento das decisões judiciais que determinarem a remoção de conteúdo na internet", fundamentou a relatora.

Consumidor

Em novembro, a Quarta Turma julgou abusiva cláusula que obriga cliente de cartão de crédito a fornecer dados a terceiros. Para o colegiado, no momento em que assina contrato de serviços de cartão de crédito, o cliente tem o direito de autorizar ou não o fornecimento de seus dados pessoais. Por esse motivo, a imposição da autorização em contrato de adesão é considerada abusiva e fere os princípios da transparência e da confiança nas relações de consumo.

"A partir da exposição de dados de sua vida financeira, abre-se leque gigantesco para intromissões diversas na vida do consumidor. Conhecem-se seus hábitos, monitora-se sua maneira de viver e a forma como seu dinheiro é gasto. Por isso a imprescindibilidade da autorização real e espontânea quanto a essa exposição", afirmou o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão.

Em junho, o STJ afirmou que as dívidas contraídas em jogos de azar no exterior podem ser cobradas no Brasil. A cobrança pode ser feita por meio de ação ajuizada pelo credor no Brasil, submetendo-se ao ordenamento jurídico nacional.

Ao analisar o caso de uma dívida superior a US$ 1 milhão, supostamente feita por um brasileiro em torneio de pôquer no cassino Wynn Las Vegas, dos Estados Unidos, a Terceira Turma definiu que a cobrança é juridicamente possível, desde que provado que o jogo é legal no local onde foi praticado.

"Não ofende a soberania nacional a cobrança de dívida de jogo, visto que a concessão de validade a negócio jurídico realizado no estrangeiro não retira o poder do Estado em seu território e nem cria nenhuma forma de dependência ou subordinação a outros Estados soberanos", resumiu o ministro Villas Bôas Cueva, relator do caso.

Gênero

Um casal que convive em união homoafetiva há 12 anos teve o direito de permanecer com a guarda de um bebê de dez meses garantido pela Terceira Turma. O recém-nascido com apenas 17 dias foi encontrado pelo casal em uma caixa de papelão. Após o casal entrar com pedido de adoção, o juízo de primeira instância determinou o recolhimento do bebê para um abrigo.

Em decisão unânime, a turma concluiu que os companheiros reúnem as condições necessárias para cuidar da criança até que seja finalizado o processo regular de adoção e que um eventual encaminhamento do bebê a abrigo poderia lhe trazer prejuízos físicos e psicológicos.

O relator do pedido de habeas corpus, ministro Villas Bôas Cueva, apontou que "o menor foi recebido em ambiente familiar amoroso e acolhedor, quando então recém-nascido, não havendo riscos físicos ou psíquicos neste período, quando se solidificaram laços afetivos, até mesmo porque é cediço que desde muito pequenas as crianças já reconhecem as pessoas com as quais convivem diariamente".

A Quarta Turma definiu em maio que, independentemente da realização de cirurgia de adequação sexual, é possível a alteração do sexo constante no registro civil de transexual que comprove judicialmente a mudança de gênero.

Nesses casos, a averbação deve ser realizada no assentamento de nascimento original com a indicação da determinação judicial, proibida a inclusão, ainda que sigilosa, da expressão "transexual", do sexo biológico ou dos motivos das modificações registrais.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, lembrou inicialmente que, como Tribunal da Cidadania, cabe ao STJ levar em consideração as modificações de hábitos e costumes sociais no julgamento de questões relevantes, observados os princípios constitucionais e a legislação vigente.

Ecad

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu em fevereiro um recurso do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e decidiu que é legítima a arrecadação dos direitos autorais pelo Ecad nas transmissões musicais pela internet, via streaming.

O entendimento dos ministros é que a transmissão via internet é um novo fato gerador da arrecadação de direitos autorais pelo Ecad, pois se trata de exibição pública da obra musical.

"O acesso à plataforma musical é franqueado a qualquer pessoa, a toda coletividade virtual, que adentrará exatamente no mesmo local e terá acesso ao mesmo acervo musical, e esse fato, por si só, é que configura a execução como pública", afirmou o relator, ministro Villas Bôas Cueva.

Em outro julgamento, o STJ definiu que a transmissão televisiva via internet nas modalidades webcasting e simulcasting (tecnologia streaming) configura execução pública de obras musicais, também apta a gerar o recolhimento de direitos autorais pelo Ecad.
"O fato de a obra intelectual estar à disposição, ao alcance do público, no ambiente coletivo da internet, por si só, torna a execução musical pública, sendo relevante, para o legislador, tão somente, a utilização das obras por uma coletividade frequentadora do universo digital, que poderá, quando quiser, acessar o acervo ali disponibilizado", explicou o relator, ministro Villas Bôas Cueva.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): .REsp 1642310. REsp 1641155. REsp 1629255. REsp 1348532. REsp 1628974. REsp 1559264. REsp 1567780