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Maioria dos Estados ainda não pune empresas por atos de corrupção - VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

Os Estados que aplicam a Lei Anticorrupção ainda são minoria no país. A norma completa hoje cinco anos de publicação e, até agora, apenas seis e o Distrito Federal instauraram processos administrativos para apurar possíveis ilícitos que tenham sido cometidos por empresas contra a administração pública. São, ao todo, 87 procedimentos, envolvendo 177 companhias - a maior parte delas, 34,47%, do setor de construção e engenharia.

Esses dados são parte de um estudo que mostra, de forma inédita, o que mudou nos Estados com a legislação que prevê punição pela prática de atos como o pagamento de propina a funcionários públicos ou acordo de preço nos processos de licitação. A Lei Anticorrupção (nº 12.846) surgiu como uma resposta rápida do Congresso aos protestos de junho de 2013. Foi criada em agosto daquele ano entrou em vigor em janeiro de 2014.

Em uma comparação com a União, sobre o que foi feito até agora, os Estados estão atrás. Dados da Controladoria-Geral (CGU) mostram que o governo federal havia instaurado 183 processos administrativos até janeiro deste ano e aplicado 23 multas, totalizando R$ 12 milhões.

Nos Estados, se levadas em conta somente as condenações, o número, na comparação com os dados da União, também é menor. Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais e São Paulo foram os únicos que aplicaram punições. São, ao todo, 21 empresas multadas e os valores das condenações somam pouco mais de R$ 8 milhões.

As investigações, de maneira geral, tiveram como principal alvo a construção civil. Um efeito lógico, na visão de advogados, se considerado o contexto nacional no período de vigência da lei. A Lava-Jato, maior operação de combate à corrupção da história, foi deflagrada em março de 2014 e levantou uma série de ilícitos contra a administração pública que eram capitaneados por empresários da área.

A lista de processos, no entanto, não se restringe a esse setor. Inclui, por exemplo, empresas do varejo (13% das processadas), prestadores de serviço (9,6%), companhias de tecnologia da informação e telecomunicações (7,3%) e do setor de consultoria (5,7%).

"O governo federal tem quase o dobro de processos. Parece estranho, consideradas as proporções, que esse número seja tão maior do que uma dimensão pulverizada de entes que podem ser lesados", pondera Luiz Francisco Mota Santiago Filho, autor da pesquisa ao lado da advogada Louise Dias, ambos do escritório Tauil & Chequer.

Para ele, uma das explicações para o baixo número estaria na forma como os Estados se organizaram para aplicar a lei. "Fica muito claro, na pesquisa, que alguns se prepararam mais", diz. O advogado chama a atenção, por outro lado, que nem mesmo a lei anticorrupção americana (conhecida pela sigla FCPA), que serviu se inspiração para a legislação brasileira, teve efeito imediato. Nas primeiras duas décadas foram, em média, uma condenação por ano.

A pesquisa é específica à aplicação da lei pelos Estados. O levantamento, segundo os advogados, foi feito a partir de contato direto com as secretarias responsáveis e por meio da Lei de Acesso à Informação e tem como data de corte o dia 29 de janeiro de 2018.





Até esta data, 13 Estados, além do Distrito Federal, haviam regulamentado, por meio de lei ou decreto, a norma: Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. Os Estados da Paraíba e do Rio de Janeiro publicaram regulamentação em período posterior ao da pesquisa e, por esse motivo, não foram incluídos.

Apesar de a lei federal ser autoaplicável, é necessária a regulamentação pelos Estados e municípios para que a sua aplicação seja eficiente. Os Estados, nesse contexto, têm então fixado critérios de competência interna - como o órgão responsável por investigar, aplicar penalidades e negociar acordos de leniência - e estabelecido regras aos procedimentos (prazos, possibilidade de recurso, produção de provas).

A maioria tem determinado que a Controladoria-Geral seja a responsável pela apuração dos atos suspeitos. E as multas, como prevê a lei, são limitadas a 20% do último faturamento bruto da empresa.

Nem todos que regulamentaram a lei até agora, no entanto, têm ações práticas. Alagoas, Goiás, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Tocantins, segundo consta na pesquisa, não abriram nenhum processo de investigação. Já entre os ativos estão o Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo - mas nem todos esses têm processos já concluídos.

O Espírito Santo foi o primeiro a investigar um caso de corrupção, em 2015, e até janeiro deste ano havia concluído 13 processos e condenado 15 empresas (hoje já são 16 processos e 20 companhias punidas). É também o responsável pela tramitação do processo mais célere (apenas 26 dias).

"Temos trabalhado de forma efetiva para evitar que o Estado se torne um terreno fértil para quem tem o interesse de praticar algum ilícito. Criamos uma estrutura própria, com equipe multidisciplinar, e profissionais com conhecimento em direito e áreas mais técnicas, como engenharia", diz Marcos Pugnal, secretário de Estado de Controle e Transparência, pasta que concentra os procedimentos contra a corrupção.

Os casos são encaminhados pela ouvidoria, a partir de denúncias da sociedade, e também por outras secretarias de Estado. É feita uma filtragem do que chega e, se tiver fundamento, inicia-se o processo de apuração. Foram registradas, até agora, segundo Pugnal, 196 denúncias. A maioria delas envolve tentativa de fraude em licitações (como documentação, quebra de sigilo da proposta e acordo de preço).

A menor multa aplicada pelo Estado foi de R$ 3.278,25, enquanto a maior ficou em mais de R$ 1 milhão. Do total de condenações, segundo dados do governo, R$ 165 mil estão no caixa do Estado. Foram depositados num fundo de combate à corrupção, que destina-se ao fomento da própria atividade (como treinamento de pessoal e compra de equipamentos).

Há outros R$ 80 mil inscritos em dívida ativa, R$ 640 mil em cobranças administrativas e cerca de R$ 750 mil em cobranças na Justiça. O restante está em fase de recurso na esfera administrativa.

As condenações devem estar registradas no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP). A lista, porém, está desatualizada. Das 21 empresas multadas pelos quatro Estados, somente sete foram incluídas - e todas pelo Espírito Santo.

São Paulo, no entanto, tem posição de destaque na pesquisa por ter uma lista própria. Trata-se do Cadastro Estadual de Empresas Punidas (CEEP). As duas únicas empresas com decisões condenatórias proferidas em processo administrativo estão inscritas.

A pesquisa elaborada pelos advogados do Tauil & Chequer terá o conteúdo total divulgado pela editora LEC, em um evento marcado para o dia 13, na seccional da OAB do Estado do Mato Grosso, que tratará sobre os cinco anos da Lei Anticorrupção.

Joice Bacelo - São Paulo