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Ação no STF mostra que debate de regulação em fintechs segue - DCI - LEGISLAÇÃO

Apesar de o Banco Central ter regulamentado o mercado de fintechs este ano por meio de resolução, os debates sobre como a atividade dessas empresas deveria ser regulada continuam, como mostrou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) recentemente apreciada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Para especialistas jurídicos, o atraso do direito em relação ao avanço da tecnologia faz com que novos modelos de negócios surjam mais rápido do que qualquer lei ou ato normativo consiga disciplinar. Além disso, haveria o componente de setores incomodados com a inovação, que pressionariam as novas empresas com processos.

No caso específico da ação, a ADI 5.955, ajuizada pela Associação e Sindicato Nacional das Empresas Promotoras de Crédito e Correspondentes no País (Sindaneps), questionava-se a Resolução 4.294/2013 do Conselho Monetário Nacional (CMN). Segundo essa norma, as empresas que atuam como intermediárias entre o banco e a pessoa física ou jurídica que deseja contratar empréstimo, podem cobrar, no máximo, 6% do valor de operação encaminhada, repactuada ou renovada ou 3% do valor de operação que for objeto de portabilidade.

De acordo com o sócio especialista no atendimento a fintechs do Franco Advogados, Renato Scardoa, algumas empresas desse segmento usam a forma de correspondente bancário para operarem com serviços de crédito. Para essas companhias, haveria muita expectativa em torno do julgamento, visto que os custos da infraestrutura tecnológica e do marketing digital das fintechs nem sempre é coberto por essa taxa de 6%. "Se fosse decretado inconstitucional esse tabelamento, permitiria a livre negociação entre as fintechs e as instituições financeiras", diz.

O processo, no entanto, foi arquivado no fim da semana passada em decisão monocrática do ministro Celso de Mello, sob o entendimento de que entidades sindicais de primeiro grau, "mesmo aquelas de âmbito nacional, como a Sindaneps, não dispõem de qualidade para agir, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle normativo abstrato". Ou seja, a polêmica segue sem resolução e pode voltar à tona se for judicializada por uma entidade que o STF entenda legítima para propor ADI naquela Corte.

Na opinião de Scardoa, o problema que motivou a ação é que a regra do CMN é anterior ao surgimento das fintechs, e mostraria o atraso que existe no direito em capturar os avanços tecnológicos. "Enfrentamos a falta de legislação específica e, sem isso, as fintechs têm que colocar essa roupagem da regulamentação antiga", explica o especialista do Franco Advogados.

Uma nova regulamentação do Banco Central tentou capturar a explosão das fintechs, mas, para o especialista, ainda não é o ideal para promover o avanço dessas empresas. A Resolução 4.656/2018 disciplinou a realização de operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas por meio de plataforma eletrônica, mas ainda não atingiu todas as formas de operação das companhias do setor e sofre com alguns questionamentos jurídicos.

Para o sócio do Demarest Advogados, Antonio Giglio, a resolução serve muito bem para empresas de crédito direto, que possuem capital próprio para emprestar, mas este não seria o caso da maioria das fintechs. "Não sei até que ponto o empreendedor de startup terá capital próprio para angariar recurso", questiona o advogado.

Outro ponto é que as plataformas que hoje atuam no mercado peer to peer (P2P) - fazem transações sem ter instituições financeiras como intermediários - poderiam ter de migrar para o modelo contemplado pela resolução. Além disso, as responsabilizações nesses casos entrariam em um limbo jurídico. "A sociedade de empréstimo entre pessoas é intermediária entre credores e devedores, mas quem empresta, no fundo, é a própria sociedade. Quem terá legitimidade para propor uma ação de cobrança?", pergunta Giglio.

Na contramão desses questionamentos, o membro do conselho da AB Fintechs e especialista em regulamentação, José Luiz Rodrigues, acredita que a regulamentação do BC é totalmente adequada, só poderia, com o tempo, evoluir para superar qualquer tipo de polêmica. "Não vejo dúvida nessa questão das entidades interessadas. Existem dois modelos, um é o da sociedade de capital próprio e outro é o da sociedade de aproximação", defende o executivo.

Na avaliação de Rodrigues, o BC, que editou a resolução com base após audiência pública, teria se mostrado bastante aberto a adaptações no futuro.

Judicialização

Antonio Giglio, do Demarest, diz que a judicialização de temas envolvendo fintechs é algo comum. "Quando há uma inovação tecnológica, alguns setores que já estão bem estabelecidos acabam sendo afetados economicamente. A consequência é o aumento no número de ações na Justiça", conta.

O advogado diz que da mesma maneira que a Uber sofreu com a resistência dos taxistas e o Airbnb incomodou hotéis e imobiliárias, as fintechs vão cada vez mais sofrer questionamentos dos bancos.

De acordo com o especialista em direito bancário do Márcio Casado & Advogados, Marcello Covelli, as decisões judiciais aparecerão conforme o avanço tecnológico e de estratégias empresariais acontecer. "Tende a demorar até que a Justiça pacifique tudo o que ocorre em torno de um determinado tema."

Na visão de Covelli, a iniciativa do BC em fazer a Resolução 4.656, ainda que a norma não seja perfeita, é muito positiva, pois a autoridade monetária é quem possui as melhores qualificações técnicas para regulamentar estes casos e não seria possível aguardar o Judiciário ou o Legislativo em algo que demanda tanta agilidade.

RICARDO BOMFIM . SÃO PAULO