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Sócio falido pode voltar ao mercado - VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

A Justiça de São Paulo, em decisão rara, liberou um empresário para o exercício de atividades comerciais antes do fim do processo de falência da companhia da qual era sócio. O entendimento contraria o que prevê a Lei nº 11.101, de 2005, que regula as falências do país.

No Brasil, ao contrário de outros países, administradores de empresas falidas, mesmo que não tenham se envolvido em fraude ou qualquer outro tipo de crime, só conseguem voltar ao mercado com o término do processo - o que na prática pode representar algumas décadas de espera.

O entendimento, ainda que de primeira instância, representa um precedente importante para advogados e um alento para os empreendedores. Atualmente, somente no Judiciário paulista há mais de mil processos ainda da época da concordata, muitos do início da década 1980.

Na decisão que liberou o retorno do empresário (processo nº 004 2511-48.2016.8.26.0100), o juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, Daniel Carnio Costa considerou o fato de o Ministério Público não ter apontado a existência de crime falimentar no processo. Nesse sentido, determinou que o prazo de "reabilitação do falido tenha início a partir da data da decisão judicial que determinou o arquivamento da investigação da prática de crime falimentar"

O advogado que representa o empresário no processo, Julio Mandel, da Mandel Advocacia, afirma que no Brasil existe a ideia pronta de que todo falido seria criminoso e não um empreendedor malsucedido nos negócios. Para Mandel, da forma como funciona hoje a legislação, o empresário de boa-fé, que não cometeu crime falimentar é condenado a uma pena perpétua que o impede de voltar às atividades comerciais.

Segundo o advogado, há situações em que são necessários mais de 20 anos para finalizar uma falência. No caso de seu cliente, o processo corre há mais de dez anos e hoje está pendente o julgamento de um incidente processual para consolidação do quadro geral de credores.

O juiz Carnio Costa entendeu que a situação viola direitos fundamentais como trabalho e livre iniciativa. Além de "vulnerar em certa medida a própria dignidade da pessoa humana", pelo fato de o processo falimentar não possuir prazo para ser encerrado.

"Tal situação viola a lógica do sistema de insolvência empresarial que visa sanear o funcionamento do sistema econômico, sem a criação de páreas da economia, o que representaria um grave prejuízo ao desenvolvimento social e econômico do país", diz na decisão.

Ao processo, o magistrado aplicou a contagem do prazo de reabilitação de cinco anos previstos na Lei 11.101, a partir de 5 de junho de 2008. Dessa forma, considerou extintas as obrigações do empresário a partir do dia 4 de junho de 2013.

O juiz também considerou que se há prazo de prescrição para penas criminais, impostas aos que praticam graves infrações sociais, o mesmo deveria ocorrer em relação ao prazo de reabilitação do empresário falido.

O especialista em recuperações e falências, Guilherme Camará Moreira Marcondes Machado, sócio do Marcondes Machado Advogados, afirma que o processo falimentar no Brasil é burocrático, demorado e vincula o sócio administrador ao processo, o que representa uma penalidade gigantesca a ser carregada por quase toda vida. Ele lembra que em países como Estados Unidos e Inglaterra há no direito falimentar a figura do recomeço ou "fresh start".

Machado explica que nessas situações, verificada a quebra, apuram-se os ativos da empresa, a responsabilidade do devedor, bens são entregues e rapidamente o empresário pode voltar ao mercado se não for constatado dolo. "Aqui a posição cultural é que a falência é uma punição, o que não deveria ser quando não há fraude", afirma. Por esse motivo, o advogado considera positiva a decisão, ainda que de primeira instância, por poder representar o início de um novo posicionamento.

Já José Alexandre Corrêa Meyer, sócio do Rosman, Penalva, Leão, Franco Advogados, afirma que o tema é polêmico e que tanto a doutrina quanto a jurisprudência seguem preponderantemente o caminho de que há a necessidade do trânsito em julgado do processo falimentar. Ele avalia que a decisão, além de inovadora, prima pelo aprofundamento da questão e pelas circunstâncias específicas do caso. "É dada interpretação finalística no sentido de que a lei deveria criar um ambiente sadio para os negócios e possibilitar a volta do empresário ao mercado a fim de movimentar a economia."

Zínia Baeta - São Paulo