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TJ-SP é favorável à cobrança de ITCMD sobre dívidas perdoadas - VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

Na maioria dos processos, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tem decidido que incide Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quando há perdão de dívidas. Em geral, são casos decorrentes de empréstimos familiares declarados no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Para a Fazenda estadual paulista, o perdão de dívida equivale à doação, que deve ser tributado pelo ITCMD. No Estado, a alíquota é de até 4% sobre o valor da transação.

Das quatro turmas que já trataram do assunto no tribunal, apenas uma foi favorável aos contribuintes, segundo levantamento realizado pelo Sigaud Marins & Faiwichow Advogados.

Os contribuintes alegam que o perdão de dívida e a doação são institutos distintos, conforme disposições Código Civil. O perdão de dívidas está no capítulo sobre adimplemento e extinção das obrigações, no artigo 385. A doação encontra-se no capítulo de contratos, no artigo 538. Além disso, alegam não haver disposição legal que trate da equivalência do perdão com a doação.

O problema é que alguns pais ou mães fazem doações para seus filhos travestidas de empréstimos para se furtar do pagamento de ITCMD e esses casos têm sido coibidos no Judiciário, segundo o advogado Bruno Sigaud, do Sigaud Marins & Faiwichow Advogados. Porém, de acordo com o advogado, "nos casos em que se trata de empréstimo comprovado e genuíno, não tem ocorrido a cobrança do imposto". O tema ainda não chegou a ser analisado nos tribunais superiores.

Três turmas distintas (4ª, 11ª e 13ª Câmaras de Direito Público) do TJ-SP julgaram de modo desfavorável ao contribuinte. Em decisão que transitou em julgado (não cabe mais recurso) em novembro, a 4ª Câmara foi unânime ao negar o recurso de uma mulher que tinha recebido, em 2006, R$ 270 mil em dinheiro de seu pai e declarado isso no IRPF.

Ela alegou na ação que tratava-se de um empréstimo, porém, os desembargadores entenderam que não houve comprovação da quitação desta dívida e nem como ela se daria. Segundo a ação, o contrato deixa vago como será a forma de quitação. "Vale dizer que a falta de pagamento ou cumprimento do contrato caracterizam o perdão da dívida, equiparando-se à doação e, consequentemente, há a consumação do fato gerador do ITCMD", diz a decisão (apelação nº 8000594-79.2013.8.26.0014).

Em caso julgado pela 13ª Câmara, os desembargadores também foram unânimes ao negar recurso de um contribuinte autuado por não ter recolhido ITCMD. Ele alegou que não houve o pagamento do tributo porque o que ocorreu foi um perdão de dívida no valor de R$ 257 mil que tinha com seu antigo sócio. O restante da dívida, no valor de R$ 385 mil, ele pagou ao ceder suas quotas sociais da empresa.

O contribuinte ainda afirmou que seu contador errou ao fazer a declaração de IRPF desses valores no ano de 2004 como transferência patrimonial. Mas, depois, em 2009, a declaração foi retificada como perdão de dívida. Ao analisar o caso (apelação nº 0004537- 96.2011.8.26.0602), os desembargadores entenderam que não houve demonstração das transferências realizadas e de documentação sobre a dívida contraída.

Nesse mesmo sentido, a 11ª Câmara também deu decisão contrária (apelação nº 0006243-86.2011.8.26.0482) a um outro contribuinte que tinha recebido R$ 862 mil de seu pai. Ele alegava que era um empréstimo, porém, a Justiça entendeu ser perdão de dívida, equivalente à doação. O Fisco lavrou um auto de infração cobrando R$ 34 mil de ITCMD, o que foi mantido.

A única decisão até agora favorável ao contribuinte, é de 2016, da 9ª Câmara. No caso, o contribuinte alegou que contraiu um empréstimo com uma empresa no Japão de R$ 1,6 milhão e, no curso do contrato, houve uma remissão da dívida de R$ 572 mil. Porém, esses valores foram declarados no IRPF 2005 no campo de transferência de bens e direitos, o que foi um erro, segundo o processo, porque se trata de perdão de dívida.

O relator Nuncio Theophilo Neto entendeu que houve um equívoco no preenchimento da declaração do imposto de renda. Além disso, para o desembargador, não se pode equiparar o perdão de dívida com doação porque, de acordo com o artigo 538 do Código Civil, "considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra". E o "perdão da dívida é remissão, forma de extinção de uma obrigação, nos termos do artigo 385 do CC [Código Cívil]".

Segundo a decisão, "a pretendida equiparação de uma figura contratual a uma mera forma de extinção de obrigação evidentemente representa violação ao princípio da legalidade tributária". A decisão (apelação nº 0004536-14.2011.8.26.0602) foi unânime.

Segundo o advogado Leo Lopes de Oliveira Neto, do Focaccia Amaral Pellon e Lamonica Advogados, o perdão parcial de dívida é comum em negócios empresariais, na expectativa de que haja o pagamento de, ao menos, parte da dívida. "Nesses casos, por exemplo, não vejo fundamento para que haja a equiparação a uma doação, já que não se trata de uma vontade de quem perdoa, mas sim, muitas vezes, de ser o único meio cabível para se obter o pagamento de parte da dívida", como ocorreu no caso analisado pela 9ª Câmara que rejeitou a incidência do imposto.

De acordo com o artigo 16 da Lei paulista nº 10.705, de 2000, nas transações até o montante de R$ 308,4 mil a alíquota do ITCMD é de 2,5% e acima desse limite, 4%. Procurada pelo Valor, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo não retornou até o fechamento da reportagem.

Adriana Aguiar - São Paulo