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Paraná é estado recordista em adoções internacionais de crianças e adolescentes - GAZETA DO POVO

O Paraná fechou 2018 liderando um ranking diferente: foi o recordista de adoções internacionais de crianças e adolescentes no país. No estado, foram registrados 20 casos de um total de 69 no Brasil, à frente de Mato Grosso do Sul e Santa Catarina, que tiveram nove processos cada, e do Rio de Janeiro, que concentrou sete episódios. Quando não é possível reinserir a pessoa na família biológica e não há famílias dispostas a acolhê-la, o passo seguinte é buscar interessados em outros países. No Paraná, esse tipo de procedimento é tarefa da Comissão Estadual Judiciária de Adoção do Estado do Paraná (Ceja-PR).

Segundo Liselis Izar, coordenadora técnico-administrativa do órgão, os resultados têm sido positivos. "O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que a preferência deve ser dada a interessados dentro do Brasil, mas quando nós não encontramos possíveis famílias em território nacional, começamos a fazer esses contatos". Ela argumenta que a medida é excepcional, mas tem trazido bons frutos. No ano passado, por exemplo, conseguimos viabilizar a adoção de um grupo de quatro irmãos por uma família dos Estados Unidos e, neste momento, estamos tratando de um caso semelhante".

Os destinos mais comuns das crianças brasileiras são França, Itália e Estados Unidos. "O Brasil também pode permitir a adoção por famílias da Espanha, por exemplo, mas lá, uma legislação proíbe a entrada de crianças acima de determinada idade", explica a coordenadora. Ainda de acordo com ela, as regras para esse tipo de processo estão previstas na Convenção de Haia. "Quando o país não é signatário do acordo e há interesse, a família precisa de apoio diplomático. É mais demorado, mas não impossível".

Assim como nos processos em território nacional, Liselis Izar afirma que as adoções por famílias estrangeiras também recebem acompanhamento pós-adotivo. "Durante dois anos nós recebemos relatórios semestrais sobre a adaptação dessas crianças, que continuam sendo brasileiras, mas que passam a ter dupla cidadania". Ela conta que eles vão, mas também ficam. "É muito gratificante quando um deles volta aqui e conta que está em busca da família biológica. É quando a gente se dá conta do tamanho deste trabalho. E de como ele salva vidas", completa.

Qual é o cenário paranaense para adoção?
O Paraná tem 933 meninos e meninas, crianças e adolescentes, à espera de um lar. Quase mil pessoas de zero a 17 anos sonhando com o dia em que deixarão os abrigos espalhados pelo estado e ganharão, finalmente, uma família de verdade. Na outra ponta, uma grande lista com 3,6 mil nomes de candidatos a pais e mães em solo paranaense. Mas, embora esse número seja quase quatro vezes maior do que o primeiro, a conta ainda não fecha.

Os dados são do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e refletem uma mudança de cenário. Apesar de a cor da pele ser hoje um impeditivo menor do que já foi no passado, a idade da criança ou do adolescente ainda pesa na decisão dos adultos. Ao todo, no Brasil, mais de 46,3 mil homens e mulheres cadastrados como adotantes estão à espera de um filho, uma filha, ou de filhos, mas, desse total, a imensa maioria (89,6%) aceita apenas crianças com até sete anos de vida."

"O público à espera de adoção, por sua vez, reúne mais de 9,6 mil pessoas no país. Dentro desse universo, as que estão dentro da faixa etária preferida pelos candidatos a pais representam apenas 37,3% (são aproximadamente 3,6 mil meninos e meninas). E é para reduzir esse desequilíbrio que a Justiça tem mudado a forma de trabalhar.

"Nós vivenciamos uma revolução do bem de dez anos para cá", afirma o juiz Fábio Ribeiro Brandão, da 1ª Vara de Infância e da Juventude de Curitiba. "Em 2009, tivemos a lei 12.010, que prevê que crianças e adolescentes tenham garantido o direito à convivência familiar. A partir dessa norma, a Justiça passou a atuar com planos individuais, e não mais com processos, em relação a esse tipo de matéria". Em 2017, outra mudança. Foi a vez da lei 13.509, que alterou o ECA, incluindo novas hipóteses de destituição do poder familiar e de entrega voluntária de crianças para adoção, além de reduzir os prazos de tramitação de processos e de formalizar o apadrinhamento afetivo, entre outras coisas.

De pé, em seu gabinete, o magistrado fala sobre inverter a noção de olhar. "Tem gente que se ofende quando nós explicamos que a prioridade é a criança, e não o adulto", enfatiza Brandão, que conhece os meninos e meninas sob sua responsabilidade pelos nomes. "A Justiça não existe para arranjar filhos para ninguém, mas para garantir aos protegidos, que é como nós chamamos essas crianças e adolescentes, o direito a uma família. É por isso que a Vara da Infância e da Juventude tem esse nome".

Diante de uma espécie de mosaico formado por fichas com nomes, fotografias e histórias, ele fala sobre um modelo cartesiano que aborda duas instâncias de tempo. "É uma forma de organização que permite, por exemplo, em poucos segundos, saber quem é mais velho, quem é mais novo, quem acabou de ser acolhido e quem já está em abrigos há mais tempo". A ideia é não perder os casos prioritários de vista. "Personificando a abordagem, é possível dar rostos a essas pessoas e dar a cada uma, o tratamento individual a que ela tem direito".

Há, no entanto, na adoção, uma série de aspectos a se considerar e de etapas a cumprir. Liselis Izar, coordenadora técnico-administrativa da Ceja-PR, órgão vinculado ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), afirma que o trabalho é intenso, mas que tem dado resultados. "Primeiro a Justiça tenta retornar a criança aos pais. Não sendo possível, a busca passa para avós, tios, primos ou outros membros próximos da família biológica. Chamamos de família-extensa". O passo seguinte, quando não é possível manter o protegido junto dos parentes, é trabalhar em prol de uma família substituta. "A adoção é sempre a última saída".

Traçando um paralelo com o conto Alice no país das maravilhas, o juiz Fábio Ribeiro Brandão diz que a chave é aliar a pressa do personagem do coelho com a objetividade do gato. "Nós sabemos que precisamos trabalhar rápido para que, de um lado, os vínculos não sejam perdidos, ou, de outro, para que essa criança ou esse adolescente tenham ainda a oportunidade de crescer em um lar. Então precisamos de agilidade, mas também sabemos da nossa responsabilidade em acertar".

Mais cooperação, mais informação
As alterações recentes na legislação fundaram também um período de novas posturas, marcado especialmente pela abertura do Judiciário para a atuação de grupos de apoio à adoção. Essas iniciativas contribuem especialmente para que as crianças e adolescentes chamadas de inadotáveis - aquelas que são preteridas por fatores como idade, cor da pele e/ou deficiências físicas e mentais - tenham a oportunidade de criar vínculos afetivos e, eventualmente, de sonhar com uma família.

"Muitos casais que não têm interesse em adotar podem conviver com uma determinada criança como padrinhos e essa é também uma forma importante de inserção social", explica o juiz. Segundo ele, essas são circunstâncias em que os meninos e meninas ganham a chance de estar dentro das famílias, ainda que não sejam as deles. "Até porque a adoção não é uma política pública, mas a garantia à convivência familiar é. Esse é um direito fundamental e a adoção é apenas uma das formas de garantir essa previsão legal".

São exemplos desses grupos a ONG Recriar, que existe desde 1995, e o projeto Dindo, da Associação dos Juízes Federais do Paraná. Além disso, o aplicativo A.dot, que coloca os adotantes habilitados em contato com histórias de adotandos, e o projeto Encontre, que articula essa aproximação por meio de eventos festivos, também tem contribuído para a construção de um ambiente diferente.

"Amanhã ou depois essas crianças e adolescentes vão ser adultos e terão que viver em sociedade", ressalta Brandão. "É importante que elas estejam preparadas. Se, no meio do caminho, alguma família se apaixonar e decidir adotar, melhor ainda, mas o que se pretende com esse tipo de iniciativa é fortalecer a rede de proteção, dar uma perspectiva diferente àquela criança e, aos poucos, provocar uma mudança de cultura". O debate público e as iniciativas de conscientização social também são retratadas como ferramentas de transformação social."

Daiane Andrade, especial para a Gazeta do Povo