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Justiça de SP derruba trechos de norma do CFM e decide que gestantes podem recusar procedimentos médicos - G1 - SÃO PAULO

A Justiça Federal em São Paulo derrubou parte de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que permitia intervenções médicas não emergenciais a gestantes, mesmo contra a sua vontade. A norma classificava mulheres grávidas como exceção à regra que permite aos pacientes recusar qualquer tratamento eletivo e era considerada, por especialistas, uma brecha para o aumento da violência obstétrica.

A decisão judicial, publicada na última terça (11), considera que "somente o risco efetivo à vida ou saúde do paciente deve ser considerado como justificativa legal para afastar a recusa ou escolha terapêutica do paciente". O despacho destacou ainda que a norma anterior poderia "resultar na ilegal restrição da liberdade de escolha terapêutica da gestante em relação ao parto".

Segundo a resolução do CFM, publicada em setembro no Diário Oficial da União, todo paciente "maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente" pode optar pela "recusa terapêutica" para "qualquer tratamento eletivo" desde que não haja risco para a saúde de terceiros ou doença transmissível.

No entanto, a resolução determina que as mulheres grávidas também estão nesta lista de exceções. O CFM aponta que a recusa de uma grávida "deve ser analisada na perspectiva do binômio mãe e feto, podendo o ato de vontade da mãe caracterizar abuso de direito dela em relação ao feto."

A liminar do juiz Hong Kou Hen, da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, suspendeu os trechos da resolução que classificavam as gestantes como exceção. O magistrado atendeu a um pedido das Defensorias Públicas da União e do Estado de São Paulo. A suspensão vale para todo o país.

A Justiça determinou ainda que o conselho faça a "ampla divulgação desta decisão à classe médica, inclusive com publicação em sua página oficial da internet e dos conselhos regionais, sob pena de multa diária de R$ 1.000" casa a divulgação não seja feita.

Norma contestada
A norma publicada em setembro pelo CFM foi vista com ressalvas por especialistas em direito e saúde da mulher. Enquanto alguns apontam que o trecho pode estimular procedimentos que a mulher não deseja durante o parto - entre eles a episiotomia (corte feito entre a vagina e o ânus para ampliar o canal de parto) e a manobra de Kristeller (pressão na parte superior do útero para facilitar a saída do bebê) -, outros afirmam que a regra é necessária para garantir a vida da mãe e do feto em situações de emergência.

Por conta disso, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a revogação da resolução em um documento assinado por 16 procuradores da República de nove estados. No ofício, o MPF pede que apenas em casos de iminente risco de morte o médico seja autorizado a adotar medidas contrárias ao desejo materno.

Além do MPF, a Defensoria Pública de São Paulo e a Defensoria Pública da União (DPU) também repudiaram a resolução.

O G1 tentou entrevista com o relator da norma no CFM, mas não foi atendido. O conselho enviou uma nota na qual afirma que "a resolução não foi elaborada e aprovada com foco na assistência obstétrica" e que "em nenhuma das situações de discordância entre gestante e médico a resolução recomenda que o médico realize o procedimento à força, tampouco avança em equiparar, legalmente, o nascituro a uma criança nascida".

Contestações judiciais
Pela norma, a adoção de procedimentos médicos recusados pela gestante é autorizada pelo CFM apenas em casos de urgência e emergência. No entanto, o MPF avalia que o texto contém ilegalidades pois "ignora a exigência de iminente perigo de morte para que tratamentos recusados sejam impostos aos pacientes".

Para os procuradores, os artigos da resolução que abordam os direitos das gestantes podem favorecer a "adoção de procedimentos desnecessários e violadores", como a episiotomia (corte entre a vagina e o ânus para ampliar o canal de passagem do bebê), a administração de soro de ocitocina (para acelerar o trabalho de parto) e a utilização de manobra de Kristeller (pressão na barriga da mãe para apressar o nascimento).

Já as Defensorias Públicas de São Paulo e da União denunciam que a resolução desrespeita direitos fundamentais das mulheres grávidas e recomendam que o CFM revogue o texto ou reelabore as orientações "de modo a garantir o equilíbrio da relação médico-paciente e preservar tanto a saúde física e psicológica da mulher quanto os seus direitos à autodeterminação, autonomia e prévio consentimento."

Patrícia Figueiredo e Léo Arcoverde, G1 SP e GloboNews - São Paulo