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MPF investe na Justiça Consensual e ultrapassa 5 mil acordos de não persecução penal - PGR

O Ministério Público Federal (MPF) ultrapassou nesta semana a marca de 5 mil acordos de não persecução penal (ANPP). Até esta quinta-feira (17), 5.053 acordos foram enviados à Justiça em todo o país, sendo 3.892 somente no ano de 2020. O crescimento vertiginoso da prática, na qual o MP deixa de denunciar o acusado à Justiça mediante a confissão do crime e o cumprimento de condições ajustadas entre as partes, é um dos efeitos concretos da chamada Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), que entrou em vigor em janeiro deste ano. Segundo a norma, o acordo pode ser proposto somente para crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, e com pena mínima inferior a quatro anos.

Levantamento realizado pela Câmara Criminal do MPF (2CCR) aponta que os crimes com maior incidência de ANPP até o momento são contrabando ou descaminho (1.165), estelionato majorado (802), uso de documento falso (469), moeda falsa (285) e crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético (200). O estudo revela ainda que o instituto já foi utilizado nas 27 unidades da Federação, sendo mais recorrente no estado do Paraná, onde 1.288 acordos foram firmados até agora. Em seguida, aparecem São Paulo (643), Minas Gerais (557), Santa Catarina (513), Rondônia (357) e Mato Grosso do Sul (303).

Para o coordenador da 2CCR, Carlos Frederico Santos, o aumento no número de acordos de não persecução penal é um passo importante para a Justiça restaurativa no Brasil, na medida em que garante sanções necessárias à reprovação e prevenção do crime praticado por meio de uma resolução Consensual entre acusação e defesa. "É uma forma de atuação que contribui para a celeridade e efetividade do sistema de Justiça, além de atender aos propósitos de higidez do sistema prisional, evitando encarceramentos desnecessários", pondera o subprocurador-geral da República.

De acordo com o Código de Processo Penal (CPP), alterado pela Lei Anticrime, quem assina o ANPP fica sujeito a devolver o produto do crime às vítimas, prestar serviço comunitário, pagar multa ou cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público. Além disso, o pacto precisa ser homologado pelo Poder Judiciário e não pode beneficiar reincidentes ou quem já tiver assinado termos parecidos nos últimos cinco anos. Também não é admitido em casos de crimes hediondos ou graves, como homicídios e estupros, por exemplo.

Experiências de norte a sul - O instituto do acordo de não persecução penal foi formalmente introduzido no CPP com a edição da Lei Anticrime, no início deste ano. Desde maio de 2018, no entanto, após a regulamentação do tema pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), membros do MPF utilizam o recurso. A Procuradoria da República em Foz do Iguaçu (PR) foi uma das primeiras unidades a adotar a prática. Desde então, 508 acordos foram formalizados, sendo 273 somente em 2020. A maioria envolve crimes de contrabando ou descaminho. Para o procurador da República Lucas Maron, um dos recordistas na utilização do instrumento, isso somente foi possível porque, desde o início, houve consenso entre o MPF e a Justiça Federal locais para operacionalizar a celebração e homologação dos acordos da forma mais pragmática possível.

O procurador afirma que o uso do instituto permite ao Poder Judiciário e ao Ministério Público priorizar suas atividades com foco na repressão de condutas criminosas mais complexas, sem deixar de repreender e prevenir os delitos de pequena e média gravidade, inclusive com respostas mais rápidas à sociedade. "A reprovação e prevenção das condutas ilícitas por meio de ANPPs, por ser bastante mais célere, tem o potencial de impactar a sensação de impunidade decorrente da demora e incertezas relacionadas aos processos judiciais", pondera Maron.

Atuando em Petrópolis (RJ), a procuradora da República Monique Cheker também é uma das adeptas dos acordos de não persecução penal, tendo utilizado o instituto em casos de crimes previdenciários e ambientais. Na visão dela, o ANPP é um instrumento de Justiça restaurativa, que foca na reparação do dano e também em dar uma segunda chance para pessoas primárias e não praticantes de crimes graves. "Como consequência, ainda desafoga a Justiça e permite que o MP e a polícia foquem em crimes mais graves", esclarece.

O procurador Reginaldo Trindade, que atua em Rondônia, já propôs 46 acordos de não persecução penal, sendo 11 em crimes contra a flora. Segundo ele, o instituto tem sido bastante utilizado também em casos de falsidade, fraudes e crimes relacionados à fronteira com a Bolívia, como contrabando e descaminho. Para ele, "a consagração legislativa do ANPP consolidou um instrumento eficaz no combate à imensa maioria dos crimes, sem necessariamente ter que movimentar a burocrática, lenta e problemática máquina judicial".

Avanços e perspectivas - Concebido para ser utilizado na fase de investigação de crimes de menor complexidade - antes, portanto, do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, hoje o acordo de não persecução penal tem sido celebrado também para extinguir processos em trâmite na segunda instância da Justiça. A prática fundamenta-se no pressuposto constitucional de que a norma penal mais benéfica ao réu pode retroagir.

No Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), projeto idealizado em parceria com a Procuradoria Regional da República da 1ª Região e apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) atua nesse sentido. "A iniciativa pretende viabilizar acordos de não persecução penal retroativos de modo eficiente, isto é, pensando a uma só vez no direito individual à norma penal mais benéfica e também no interesse público relacionado à maior eficiência e efetividade da Justiça criminal, além de fomentar a chamada Justiça Consensual", explica a procuradora regional da República Márcia Noll, coordenadora do projeto no âmbito do MPF.

Para operacionalizar a proposta, foi estabelecida uma divisão de trabalho entre as instituições. O TRF1 realiza a triagem de processos em que os requisitos objetivos para celebração do acordo estão presentes e intima a defesa sobre eventual interesse no pacto. Em seguida, remete à PRR1 aqueles em que acusado e defesa manifestaram disposição para chegar a uma resolução negociada. No MPF, os requisitos exigidos são novamente checados e os termos do acordo são apresentados à defesa por escrito. Havendo concordância entre as partes, o acordo é firmado durante audiência virtual gravada e, após isso, enviado ao Judiciário para homologação. Para prestar apoio aos membros, foi criada uma Central de Acordos na unidade.

Apesar de já estar sendo adotada por alguns tribunais estaduais e pelo TRF1, a tese de retroatividade do acordo de não persecução penal ainda é controversa. No âmbito do MPF, a Câmara Criminal atualizou enunciado sobre o tema no fim de agosto. Segundo a orientação interna, o oferecimento de ANPP é cabível até o trânsito em julgado da decisão, desde que preenchidos os requisitos legais. Por preclusão - perda de uma faculdade processual -, não é cabível o acordo em processos com sentença ou acórdão proferidos após a vigência a Lei 13.964/2019, se o acordo oferecido no momento oportuno foi rejeitado pela defesa.

Na avaliação dos procuradores, a utilização crescente dos acordos de não persecução penal pelo MPF aponta para uma tendência universal de valorização da Justiça Consensual. "O ANPP veio para ficar e revolucionar o combate à criminalidade no país e a eficácia da prestação jurisdicional", afirma o procurador Reginaldo Trindade. O desafio agora é expandir a prática. "A exploração de todas as potencialidades desse novo instrumento depende de uma mudança de mentalidade de parte dos operadores do sistema de Justiça Penal, a qual passa certamente por um maior pragmatismo e proatividade desses agentes", conclui Lucas Maron.